C.K. von Rosenroth, Kabbala denudata, frontispício. Sulzbach-Frankfurt 1677-84 |
Federico González |
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Seguindo nosso percurso histórico sobre os livros Herméticos, chegamos a Paracelso e à Alquimia, ainda que seja necessário esclarecer que este foi precedido por autores e livros da importância de Petrus Bonus, que escreveu em 1330 seu Pretiosa Margarita Novella, embora não tenha sido divulgada em forma impressa até 1532; e sobretudo de Nicolas Flamel, autor do famoso tratado Livro das figuras hieroglíficas onde dá conta de seus extraordinários descobrimentos, acompanhado de sua esposa "Perrenelle". Também ter em conta aos ingleses Tomam Norton (Ordinal of Alchemy, 1480-90) e Jorge Ripley (1402-1490: As Doze Portas, Compound of Alchemy, 1471). Igualmente a Bernardo Trevisano (1406-1490: A Palavra Abandonada, A Filosofia Natural dos Metais, Tratado da Natureza do Ovo dos Filósofos, O Sonho Verde) que, segundo a fama, obteve a Pedra Filosofal havendo se dedicado à alquimia dos quatorze anos; também a Géber (S. IX), ao qual são atribuídos O Livro da Misericórdia e o Livro das Balanças; a Salomon Trismosin e seu Splendor Solis, que tanto influxo teve em seu tempo, publicado em francês em 1612 sob o título La Toyson d'Or, ou la fleur des thresors. A respeito de outro curioso livro que inclusive foi atribuído a Tomás de Aquino, Aurora consurgens, diz-nos J. Van Lennep em seu Alchimie: "é anterior ao mais antigo manuscrito conservado. Sem dúvida terão que ser datadas diferentemente suas duas partes, que são bem diferentes, sendo a primeira uma combinação de textos bíblicos, e a segunda o comentário." Como se vê, este manuscrito belamente ilustrado poderia ser anterior ao de Petrus Bonus, do qual acabamos de falar. Só no livro de S. Klossowski de Rola, O Jogo Aureo61 e no catálogo de duas exposições de livros da Bibliotheca Philosophica Hermetica de Amsterdam podemos encontrar as seguintes obras: G. Aurach: Ortus diviciarum sapiencie dei [Pretiosissimum Donum Dei], s. XV; Rosarium philosophorum, s. XV, Frankfurt 1550; A. Bocchi: Symbolicarum quaestionum libri quinque, Bolonha 1560; G. B. Nazari: Della tramutatione metallica sogni tre, Brescia 1572; H. Reusner: Pandora, das ist, die edleste Gab Gottes, Basiléia 1582; S. Trismosin: Aureum Vellus, 1598; Coronatio Naturae [ó Sapientia Veterum, ó Opus Angelorum], final s. XVI; H. Khunrath: Amphitheatrum sapientiae aeternae, 1602; F. Beroalde de Verville: Le Voyage des princes fortunez, Paris 1610; A. Libavius: Alchymia, Frankfurt 1606; S. Michelspacher: Cabala, Augsburgo 1616; M. Maier: Arcana arcanissima, Londres 1614, Lusus serius, Oppenheim 1616, De circulo physico quadrato, 1616, Silentium post clamores, 1617, Examen fucorum, Frankfurt 1617, Jocus severus, id. 1617, Symbola aurea mensae duodecim nationum, id. 1617, Atalanta fugiens, id. 1617, Tripus aureus, id., 1618, Viatorium, Oppenheim 1618, Themis aurea, 1618, Septi mana philosophica, Frankfurt 1620-21, Subtilis allegoria super secreta chymiae; T. Schweighardt: Speculum sophicum rhodo-stauroticum, Frankfurt 1618; J. D. Mylius: Opus medico-chymicum, id. 1618, Antidotarium, id. 1620, Philosophia reformata, id. 1622; Calendarium Naturalium Magicum, 1620; H. Madathanus: Aureum Seculum Redivivum, 1621; O. Croll: Basilica chymica, Frankfurt 1622; D. Stolcius: Viridarium chymicum, id. 1624, Hermetico-spagyrisches Lustgärtlein (Hortulus Hermeticus), id. 1625; J. Grasshoff: Dyas chymica tripartita, id. 1625; Musaeum hermeticum, id. 1625 (contendo ainda: Hydrolithus sophicus seu Aquarium sapientum, Tractatus aureus de lapide philosophico, Via veritatis unicae, Gloria mundi, Tractatus de generatione metallorum, N. Flamel: Summarium philosophicum, J. de Mheung: Demonstratio naturae, Lambsprinck: De lapide phi losophorum); J. D. Mylius: Anatomia auri, id. 1628; D. de Planis Campy: L'Hydre morbifique exterminée, Paris 1628, L'Ouverture de l'escolle, id. 1633; D. L'Agneau: Harmonie mystique, id. 1636; E. Ashmole: Fasciculus Chemicus, 1650 (incluindo A. Dee: Fasciculus, 1629 e J. de Espagnet: Theatrum arcanum hermeticae philosophiae opus, Paris 1623); E. Ashmole: Theatrum chemicum britannicum, London 1652; J. A. Siebmacher: Wasserstein der Weisen, Frankfurt 1661; J. de Monte-Snyders: Von der Universal Medicin, Metamorphosis planetarum, Amsterdã 1663, Chymica vannus, id. 1666; V. de Monte Cubiti: Dreyfaches hermetisches kleebat, Nuremberg 1667 (incl. S. Norton: Mercurius redivivus, 1630); J. J. Becher: Oedipus chimicus, Amsterdã 1664, Physica subterranea, Frankfurt 1669; T. Kerckring: Spicilegium anatomicum, 1670, Commentarius in Currum triumphalem Antimonii, 1665, Amsterdã 1671; G. van Vreeswijk: De Roode Leeuw, id. 1672, De Groene Leeuw, id. 1674, De Goude Leeuw, id. 1675, De Goude Son, id. 1675; C. A. Balduin: Aurum superius & inferius hermeticum, id. 1675; A. von Franckenberg: Raphael oder Artzt-Engel, id. 1676, Oculus aeternitatis, id 1677; Altus: Mutus liber, La Rochelle 1677; H. van de Sande, ed.: M usaeum hermeticum reformatum et amplificatum (incluindo Janitor Pansophus, J. F. Helvetius: Vitulus aureus, M. Sendivogius: Novum lumen chemicum –atribuído a seu mestre "O Cosmopolita"–, Aenigma philosophicum, Dialogus Mercurii Alchymistae et Naturae, Novi luminis tractatus alter de sulphure; Philaletha: Entrada aberta ao Palácio Fechado do Rei, Metallorum metamorphosis, Brevis manuductio ad rubinum coelestem, Fons chymicae veritatis), Frankfurt 1677; etc.62 Merece ser resgatada desta árida lista quase a maioria de autores e obras, que por muitas de suas características devem ser estudadas. Como se vê, o número de livros é imenso; imenso é também o valor de cada um, tanto pela forma em que se verte a doutrina, como pela Arte em que se expressa e os dados que com os quais contribui.63 Não é, pois, este o momento para se tratar deste tema extraordinário que, se Deus quiser, exporemos em detalhe noutro estudo que será a continuação deste, já que nossa intenção aqui é apenas sublinhar a projeção intelectual e histórica que o pensamento hermético e sua literatura mantiveram viva até o presente. Também devemos mencionar agora uma corrente de estudiosos contemporâneos ocupados em reproduzir e comentar textos hermético-alquímicos, que é de enorme utilidade, pois podem ser consultados diretamente: o belga Jacques Van Lennep (Alchimie; Arte e Alquimia: estudo da iconografia hermética e suas influências), os ingleses Adam McLean (The Crowning of Nature, The Rosicrucian Emblems of Cramer, The Steganographia of Trithemius, Solomon Trismosin's Splendor Solis, The Chemical Wedding of C. Rosenkreutz, etc., diretor e editor do The Hermetic Journal: Oxford) e Joscelyn Godwin (Robert Fludd, Athanasius Kircher, Michel Maier's Atalanta Fugiens), que vêm se somar a grande quantidade de investigadores e Adeptos contemporâneos que compuseram brilhantes obras sobre Alquimia e Filosofia Hermética, demonstrando-nos deste modo sofisticado como está viva a Alquimia em nossos dias, ainda que se tenha em conta que se possa pensar o contrário.64 De todos os modos, é inescapável sublinhar a figura e a obra de Michel Maier (ver obra na lista anterior), autor de A Fuga de Atalanta, curiosa obra que contém um texto, uma gravura, e uma partitura musical em cada página, o que sem dúvida é uma afirmação da ordem e da correspondência que vinculam às artes como expressão da interpenetração e harmonia Universal; por outra parte, prefigura os meios áudio-visuais de comunicação, tão importantes para as ciências e para as artes, especialmente para o ensino. Destaca-se Michel Maier como um dos fundadores da Irmandade Secreta dos Rosacruzes, de imensa importância para o desenvolvimento das idéias herméticas, à qual também pertenceram Robert Fludd (1574-1637: Apologia compendiaria, Tractatus Apologeticus, Tractatus Theologo-Philosophicus, Utriusque CosmiHistoria, Anatomiae Amphitheatrum (incl. Monochordum Mundi), Veritatis Proscenium, Philosophia Sacra, Medicina Catholica, Philosophya Moysaica, etc.), discípulo de John Dee (1527-1608: famoso autor de A Mônada Hieroglífica, e da Propaedeumata Aphoristica, General and Rare Memorials, etc.), e J. Valentín Andreae (1586-1654: As Bodas Químicas de Christian Rosencreutz, Mythologias Christianae, Turris Babel, Cristianópolis), que é considerado seu motor. Esta sociedade esotérica secreta, de pensamento e tradição herméticos, publicou dois manifestos anônimos, embora se tenha o costume de adjudicá-los a Andreae: a Fama Fraternitatis, ou o descobrimento da fraternidade da muito nobre Ordem da Rosa Cruz, e a Confessio Fraternitatis, ou a confissão da louvável fraternidade da honorabilíssima ordem da Rósea Cruz, dirigida a todos os doutos da Europa, publicados em 1614 e 1615, que tiveram a virtude de alvoroçar e entusiasmar muitos pensadores da época. Tampouco se pode deixar sem comentário a figura e a obra de Giordano Bruno (1548-1600: Explicatio triginta sigillorum, Sigillus sigillorum, De umbris idearum, Cantus Circaeus, O jantar das cinzas, Da causa, princípio e um, Do infinito, o universo e os mundos, Expulsão da besta triunfante, Cabala do cavalo Pégaso, Dos heróicos furores, Articuli adversus mathematicus, De lampade combinatoria lulliana, De innumerabilibus, immenso et infigurabili, De triplici minimo et medida, De monade numero et figura; assim como: Lampas triginta statuarum, De magia e De vinculis in gere, publicadas no S. XIX, etc.) e seu extraordinário peso em séculos posteriores. Peregrino infatigável, não só era um hermetista no qual se havia encarnado a Tradição viva, mas também um apóstolo destas idéias que levou à Inglaterra, onde sustentou uma depurada polêmica com os "gramáticos" aristotélicos de Oxford –já que a Universidade tinha caído em suas mãos por então–, uns oficialistas pedantes aos quais desmascarou oportunamente.65 Por seu ardente caráter, seu entusiasmo heróico, sua firmeza –que lhe impediu de se retratar do que para ele era a verdade– e sua adoção, em certos aspectos, (como também o faz a doutrina hermética) da teoria heliocêntrica, já que para ela o sol –o deus visível– é também o centro de um sistema em sua concepção antropocêntrica, foi condenado pela Igreja de Roma, à qual pertencia, e queimado vivo. Tudo isto o faz uma figura de primeira ordem dentro da Tradição Hermética, embora só recentemente F. Yates pôs em relevo a Arte da Memória, disciplina de origem clássica e medieval que cultivou e difundiu o "Nolano" (ou Napolitano) como ele mesmo gostava de se chamar. (66) Esta ciência e arte é verdadeiramente extraordinária pelas possibilidades supranemotécnicas, que implica, mais relacionadas com a magia que os símbolos e suas potências mais altas despertam, ligadas à metafísica, e à "reminiscência" platônica. Estes "despertadores de imagens" e suas possibilidades de se encadearem com outros planos da existência Universal foram bastante conhecidos e aplicados no Renascimento (embora de herança clássica). Por outro lado, a pintura e a estatuária cumpriam análoga função teúrgica. Vários autores escreveram sobre o tema da memória, forjando uma corrente que participou destes métodos que tiveram importância em seu dia, já que estas técnicas herméticas de conhecimento não se popularizaram posteriormente; o que não acontece com as cartas do Tarô (chamado também de "Livro de Thot"), jogo de lâminas de sentido multidimensional e de efeitos mágicos, ao qual deve controlar o teurgo que delas se ocupe.67 No livro em que se dedicou ao tema, Frances Yates adverte-nos (cap. V, "Os Tratados da Memória"): "Para o período com o qual tivemos de nos ocupar durante os dois capítulos anteriores, o material efetivo com que se conta é escasso. Para o período no qual estamos entrando neste momento, os séculos XV e XVI, o caso é o contrário. O material se faz muito abundante e teremos que selecionar sobre uma grande multidão de tratados da memória, se é que não queremos afligir com muitos detalhes a nossa história." Quer dizer, que com este segmento correspondente só ao tema da Arte da Memória (ao qual a autora dedica 440 páginas) acontece o mesmo que com as obras da Tradição Hermética em geral e portanto só mencionaremos alguns autores e obras: Anônimo, manuscrito De memoria artificiali, século XV; Oratoriae artis epitome, Veneza 1482, que levava um apêndice sobre o Ars memorativa, de Jacobo Publicio; de Pedro de Rávena, o Phoenix, sive artificiosa memoria, Veneza 1491, com muitas edições e traduções a diferentes línguas; de J. Romberch seu Congestorium artificiose memorie, 1520; de Cosmas Roselins o Thesaurus artificiosae memoriae, Veneza 1579. Deverá ser feito uma parada e aparte para falar de Julio Camillo (1480-1544: De l'humana deificatione, Sermoni della cena), o "divino" Camillo, inventor de um Teatro da Memória, aparentemente uma construção de madeira cheia de imagens esotéricas pintadas em diferentes caixotes pequenos e em distintos níveis que indicavam um lugar, um espaço fixo nas operações da mente, ao mesmo tempo em que se encontrava tudo isso relacionado com distintos aspectos da manifestação cósmica e dos Princípios e dos planetas, conforme são revelados no Corpus Hermeticum. Entretanto o Teatro, tal qual ele imaginava em todas suas possibilidades, não pôde ser [realizado], embora suas idéias tivessem muitíssima importância no Renascimento a Italiano. Finalmente queremos citar um Adepto ao qual tampouco se lhe está acostumado a dar a relevância que teve; trata-se de Elias Ashmole (1617-1692), um antiquário inglês que foi dos primeiros em outorgar à arqueologia e ao estudo integral do homem e seu mundo um valor real e não o de simples "curiosidades". Fundador em Oxford do primeiro Museu de Ciências Naturais do mundo, doou suas coleções de plantas, animais e minerais e, especialmente, as de arqueologia e arte e convenceu numerosos amigos para que o fizessem, sendo tal a importância dos objetos entesourados que o museu se dividiu em dois, passando a [ser] de Arte e de Arqueologia, assumindo seu nome após sua morte. Trata-se do afamado e excelente Ashmolean Museum, de Oxford, que atualmente exibe publicamente suas coleções. [Ashmole] não só reuniu obras da Antigüidade, mas também textos e livros herméticos que hoje podem ser consultados, da mesma forma que também os escreveu (Institutions, Laws and Ceremonies of the Order of the Garter, 1672) e publicou: Theatrum Chemicum Britannicum (1652), que contém as obras dos alquimistas ingleses mais importantes.68 Sua figura, pouco investigada, adquire muito interesse, quando se sabe que foi grande dignatário maçom dos primeiros tempos da Ordem (antes de Anderson e Desaguliers). Como se sabe, a Maçonaria tem íntima relação com a Tradição Hermética e sua simbólica, e pode ser vista como a transposição da Arte Alquímica, baseada no fogo e na transmutação metálica, ao simbolismo da Ciência Construtiva, reflexo da Construção Cósmica. A importância da Maçonaria como transmissora da Iniciação e, mais concretamente, das idéias da Tradição Hermética às quais permanentemente fomenta, foi fundamental, tanto neste século como no passado. O Hermetismo se prolonga na Maçonaria em numerosos grupos e individualidades, sempre minoritários, que são difíceis de serem localizados historicamente com toda segurança pelas mesmas reservas que eles [próprios] se impõem, em parte porque seu tipo de pensamento foi, vez por outra, perseguido (acreditam que o que a maioria considera a mais elementar realidade é apenas ilusão) pela ignorância dos muitos. Por isso, na maioria dos casos devemos nos contentar em seguir o rastro do pensamento hermético só pelos livros que escreveram alguns Adeptos e uns poucos documentos sobre suas vidas. Entretanto, este material colhido aqui e ali, acompanhado de textos achados em distintos lugares e tempos (e muitos deles por seu interesse, cada vez mais investigados), é suficiente para nos dar uma idéia da transmissão iniciática destas idéias e sua influência espiritual ao longo da cultura ocidental. As projeções variadas e dissímeis que tomou este extraordinário pensamento presente no Corpus Hermeticum, a partir do século XVIII, cujos raios seguem iluminando a atualidade, foram também estudadas; basta citar entre outros os nomes de Antoine Faivre e Jean-Pierre Laurant e suas obras dedicadas a este respeito. De nossa parte, deixamos aqui este itinerário a respeito de algumas idéias expressas nos livros herméticos, verdadeiros tesouros de sabedoria, e documentos testemunhais da FilosofiaPerene, sempre presente e vivificante; um tipo de literatura que jamais perderá a atualidade, pela índole Universal de seu temário e pela vigência que se lhe transmitem uma minoria de seguidores que, hoje como ontem, atendem a seus trabalhos, face à cada vez mais densa atmosfera que lhes competiu respirar. Como pudemos observar, a transmissão mediante o livro tem um papel fundamental na Tradição Hermética, a ponto de Hermes, o escriba dos deuses ou o deus escritor, ser quem a patrocina. E embora tenham existido e existam pequenas organizações baseadas no Hermetismo, geralmente nucleadas ao redor de escritores e grupos ligados a sua forma [própria] de ver os Princípios desta Tradição, exposta nos textos antes citados, a Revelação (Realização) Hermética se dá no individual, em cada um dos Adeptos nos quais se revela o Noûs, por qualquer seja o motivo. Trata-se, portanto, do influxo espiritual de Hermes, ou do pensamento Hermético, que equivale a receber seu legado e se filiar a ele, pois mediante sua veiculação ligamo-nos com aquilo que se busca, já que conhecer é ser. São os livros, por isso, fundamentalmente os iniciadores na Tradição Hermética (senão, para quem teriam sido escritos?) e muitos nos narram diretamente a Revelação de Hermes Trismegisto, ou seja, a Revelação Hermética; os ensinos não são necessariamente orais, como nas Tradições Orientais, nem há ashrams ou tarîqas.69 Nem sequer há uma religião, nem normas, nem dogmas, nem compromissos especiais, salvo com o Conhecimento. Portanto não há templos (salvo no caso da Maçonaria), nem imagens; é a céu descoberto e nisto, como em outras coisas, há correspondências com o Taoísmo. Por isso é que esta Tradição costuma ser também tão crua, tão pouco amparada, quanto à intempérie, e ainda assim sem buscar um "refúgio"; mas ao mesmo tempo, quando se observa a qualidade dos autores e personalidades que contribuíram com ela, a natureza luminosa de seus textos, a profundidade e beleza de seus símbolos, etc. não se pode deixar de se assombrar e de se reconhecer nela uma vinculação direta com a Origem, com a Tradição Primitiva, por intermédio da Cosmogonia Perene, do Plano Intermediário e das Ciências da Natureza. Igualmente, terá que considerar as gravuras simbólicas dos livros alquímicos como suportes rituais de meditação e veículos de Conhecimento; inclusive pode se observar que muitos destes livros têm incluídas imagens análogas ou idênticas a outros, como se tivessem sido copiadas embasados em trabalhos herméticos de tipo ritual, trabalhos próprios do Aprendiz que, deste modo, rememora vez por outra a estrutura cosmogônica para, assim, potencializar sua saída dela. Adicionaremos que esta possibilidade de se incorporar à Tradição Hermética é especialmente significativa para a mulher, tendo em vista que se é praticamente impossível para os varões pertencer a um grupo realmente ligado ao Conhecimento, o que dizer das mulheres, cujo papel em todas as religiões atualmente é rechaçado ou menosprezado. No século XVIII, A. J. Pernety (1716-1796: Les Fables égyptiennes et grecques, devoilèes et réduites au même principe; Dicionário Mito-Hermético)70 definia assim o hermético em seu Dicionário: "A ciência Hermética tem em Hermes seu propagador; alguns o consideram como o primeiro que se sobressaiu nela, de maneira que recebeu seu nome. A grande Arte, a Filosofia Hermética, a Grande Obra, a Obra da Pedra Filosofal, o Magistério dos Sábios, todas estas são expressões sinônimas da Ciência Hermética. A física Hermética depende dessa ciência que faz consistir a todos os seres sublunares de três princípios: sal, enxofre e mercúrio, relacionando todas as enfermidades com um defeito de equilíbrio na ação destes três princípios; por isso, (a ciência hermética) propõe-se e tem por objeto a busca de um remédio que mantenha este equilíbrio no corpo ou que reponha estes três princípios quando um deles tender a dominar com excessiva violência os outros. O segundo objeto desta arte é compor o que chamam o Elixir ao branco ou ao vermelho, ao qual também chamam Pó de projeção ou Pedra filosofal; com este elixir pretendem trocar os metais imperfeitos, em prata com o elixir ao branco ou em oro com o elixir ao vermelho". E adicionava, com ironia: "Em todos os tempos houve loucos inclinados a esta busca, embora se auto-intitulem Verdadeiros Sábios e verdadeiros Filósofos e únicos conhecedores da Natureza. Pretendem que os Filósofos da Antigüidade, Demócrito, Platão, Sócrates, Pitágoras, etc., todos eles estavam iniciados nos segredos desta ciência e que os hieróglifos dos egípcios, tal como todas as fábulas que compõem a mitologia, foram inventados para ensinar esta ciência". Em sendo assim, despedimo-nos do leitor, a quem também oferecemos a tradução anotada dos primeiros XI capítulos do Poimandres, realizada junto com José Manuel Rio. Também temos que agradecer a SYMBOLOS pelo apoio gráfico que constituem as gravuras71 deste Número duplo, e que ilustram tanto o conteúdo deste artigo como o dos restantes estudos sobre a Tradição Hermética, com os quais este texto se complementa.
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II. Tradição Hermética e Maçonaria (em web Glolya) |
III. Apontamentos sobre Hermetismo e Ciência |
Maria, a Profetisa M. Maier, Symbola aureae mensae, 1617 |
NOTAS | |
61 | Ed. Siruela. Madrid 1988. |
62 | Como exemplo, mencionaremos que Julian Paulus nos adverte da importância de uma biblioteca alquímico-hermética encontrada recentemente em Hamburgo, com mais de 600 títulos, muitos deles desconhecidos até hoje, em Alchemy Revisited: Proceedings of the International Conference on the History of Alchemy (Atas do Colóquio de Groningen, abril 1989). E. J. Brill, Leiden-N. York-Copenhagem-Colônia, 1990. |
63 | J. Van Lennep: Alchimie, Dif. Dervy-Livres, Paris 1985; Arte y Alquimia, Ed. Nacional, Madrid 1978. Obras de A. McLean: Phanes Press, Grand Rapids (MI) U.S.A. J. Godwin: Atalanta Fugiens, id. id. 1989; Robert Fludd, Ed. Swan, Madrid 1987; Athanasius Kircher, id. 1986. Deste modo as publicações de Gutemberg Reprints e de La Table d'Emeraude, de Paris. Em castelhano, deverão ser destacadas as edições da "Biblioteca Esotérica", em Barcelona: Mutus Liber, Viridarium Chymicum, El Rosario de los Filósofos, Las Doce Llaves de la Filosofía, Las Doce Puertas de la Alquimia, Naturaleza del Huevo de los Filósofos, los Manifiestos Rosacruces, Teosophia practica, De signatura rerum, entre outras, assim como as do Ed. Obelisco, da mesma cidade: El Libro de las Figuras Jeroglíficas, Tratado de la Piedra Filosofal (Lambsprinck), Las Bodas Químicas de C. Rosenkreutz, La Entrada Abierta al Palacio cerrado del Rey, etc. Ver também de Julius Evola seu excelente livro La Tradición Hermética (Martínez Rocha, Barcelona 1975), onde trata certos temas óbvios em Alquimia, vinculados com a sexualidade, que não costumam ser reconhecidos, e se os relaciona com o Tantra Ioga. A Alquimia vista como transformações psicológicas: C. Gustav Jung: Psicologia y Alquimia, S. Rueda ed., Buenos Aires, 1959 e J. Fabricius: Alchemy, Diamond Books, Londres 1989. Outros livros ilustrados a cores e recomendados para uma visão panorâmica: Andrea de Pascalis: Alchemy, the golden art, Gremese International, Roma 1995, e S. Klossowski de Rola: Alquimia, Ed. Debate, Madrid 1988. |
64 | J. Van Lennep: Alchimie, Dif. Dervy-Livres, Paris 1985; Arte y Alquimia, Ed. Nacional, Madrid 1978. Obras de A. McLean: Phanes Press, Grand Rapids (MI) U.S.A. J. Godwin: Atalanta Fugiens, id. id. 1989; Robert Fludd, Ed. Swan, Madrid 1987; Athanasius Kircher, id. 1986. Deste modo as publicações de Gutemberg Reprints e de La Table d'Emeraude, de Paris. Em castelhano, deverão ser destacadas as edições da "Biblioteca Esotérica", em Barcelona: Mutus Liber, Viridarium Chymicum, El Rosario de los Filósofos, Las Doce Llaves de la Filosofía, Las Doce Puertas de la Alquimia, Naturaleza del Huevo de los Filósofos, los Manifiestos Rosacruces, Teosophia practica, De signatura rerum, entre outras, assim como as do Ed. Obelisco, da mesma cidade: El Libro de las Figuras Jeroglíficas, Tratado de la Piedra Filosofal (Lambsprinck), Las Bodas Químicas de C. Rosenkreutz, La Entrada Abierta al Palacio cerrado del Rey, etc. Ver também de Julius Evola seu excelente livro La Tradición Hermética (Martínez Rocha, Barcelona 1975), onde trata certos temas óbvios em Alquimia, vinculados com a sexualidade, que não costumam ser reconhecidos, e se os relaciona com o Tantra Ioga. A Alquimia vista como transformações psicológicas: C. Gustav Jung: Psicologia y Alquimia, S. Rueda ed., Buenos Aires, 1959 e J. Fabricius: Alchemy, Diamond Books, Londres 1989. Outros livros ilustrados a cores e recomendados para uma visão panorâmica: Andrea de Pascalis: Alchemy, the golden art, Gremese International, Roma 1995, e S. Klossowski de Rola: Alquimia, Ed. Debate, Madrid 1988. |
65 | Ver F. Yates, Ensayos reunidos, tomo II. FCE, México 1991. |
66 | Ver Frances Yates, El Arte de la Memoria, Taurus, Madrid 1974. Também Mundo, Magia, Memoria, textos de Bruno, edição de Ignacio Gómez de Liaño. Taurus, Madrid 1987. |
67 | Ver: Stuart R. Kaplan: The Encyclopedia of Tarot, 3 Vols., U. S. Games Systems Inc., Stamford (CT) 1978, 1986, 1990; Raymond Abellio: Approche de la nouvelle Gnose, cap. "Histoire, structure et symbolisme du Tarot", Gallimard, París 1981; Federico González: El Tarot de los cabalistas, vehículo mágico, Kier, Buenos Aires. 1993. |
68 | Outras antologias de textos alquímicos análogas ao Theatrum Britannicum foram efetuadas em diferentes países entre os séculos XVI e XVIII, não mencionadas na lista anterior: Ars chemica, 1566; Artis chemicae principes, 1572; Artis auriferae, 1593; Theatrum chemicum, 1602; J. J. Manget: Bibliotheca Chemica Curiosa, Genebra 1702; Deutsches theatrum chemicum, 1728-32; W. Salmon: Bibliothèque des philosophes chimiques, Paris 1740; Hermetisches A.B.C., 1778-9; C. G. H.: Eines wahren Adepti besondere Geheimnisse von der Alchymie, 1757; Geheime Figuren der Rosenkreutzer, Altona 1785-88; etc. |
69 | "Cantemos a luz que leva pelo caminho do retorno aos homens; / glorifiquemos as nove filhas do grande Zeus, / de luminosas voces; / cantemos a estas vírgenes que, / por a virtude das puras iniciações que / provêm dos livros, despertadores de inteligência, / arrancam dos dolorosos sofrimentos da terra, / às almas que erram no fundo dos poços da vida" Proclo, Himno a las Musas. A. Bosch, Barcelona 1980. |
70 | Les Fables, 2 tomos: La Table d'Emeraude, Paris 1991; Diccionario: Indigo, Barcelona 1993. |
71 | Por falta de espaço, não pudemos penetrar no mundo dos impressores e gravadores dos Livros herméticos. Basta apenas citar a Teodoro de Bry, chefe de uma família de impressores em que participavam seu filho João Teodoro e seu genro W. Fitzer (que publicaram, entre muitas coisas, a obra completa de Fludd com o gravador Mateo Merian) e a Lucas Jennis que logo contraiu parentesco com esta família. Também nos chama a atenção não ter encontrado na literatura hermético-alquímica mais livros escritos por mulheres, salvo Maria, a Judia, Teosebia (a "irmã hermética" de Zósimo de Panópolis), Isabelle vom HL. Geist (carmelita em Colônia, 1606-1675: Recreationem), Bárbara de Gilli, Sabina Stuart de Chevalier (Discours philosophique, 2 vol. Paris 1781), Marie le Jars de Gournay (1566-1645) e outras mulheres citadas, cujas funções não estão de todo claras como é o caso de Cristina da Suécia (1626-1689: Apologies, Ed. du Cerf, Paris 1994), patrocinadora de bibliotecas e livros esotéricos, apesar de ser a mulher um tema recorrente e constante na iconografia desta Tradição. Sabe-se, por outra parte, de numerosas Adeptos femininos, o que é óbvio se se tiver em conta o interesse atual da mulher na Tradição Hermética; às damas anteriormente nomeadas, deve se adicionar o nome da espanhola Teresa d'Ávila (1515-1582: Livro da Vida, Meditações sobre os Cantares, As Moradas do Castelo interior, Caminho de perfeição, Livro das Fundações, etc.: Obras completas em B. A. C., Madrid 1986) discípula de San Juan de la Cruz (1542-1591: Subida ao Monte Carmelo, Noite Escura, Cântico espiritual, Chama de amor viva; id., Madrid 1982) e o de Irmã Juana Inés de la Cruz (1651-1695), mexicana, discípula de A. Kircher e autora do Primer Sueño, dedicado à deusa Ísis, e de Neptuno Alegórico. |
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