SIMBOLISMO E ARTE
Federico González

laboratório alquímico
Heinrich Khunrath de Leipzig,
Amphitheatrum sapientiae aeternae, 1602.
V
ARTE ALQUÍMICA
 
A raiz de certas considerações limitadas sobre a Alquimia, ainda dentro do campo de estudo dos investigadores esotéricos, que enquadram a nossa ciência e a definem como exclusivamente mineral e metálica, externa e material, devemos esclarecer do que trata esta disciplina e a que nos referimos quando utilizamos o termo, já que a perspectiva e a universalidade do que se denomina Alquimia é muitíssimo mais ampla e desconhecida que o que se está acostumado a entender por tal, como ocorre igualmente com sua fixação histórica e geográfica: a Idade Média e o Renascimento Ocidental; ainda que não se negue à alquimia metálica seu caráter tradicional e seus antecedentes ilustres que se remontam aos povos arcaicos que trabalharam os corpos minerais.

Esta limitação é particularmente evidente no momento em que se considera que a Alquimia é a ciência e a arte da transmutação e da transformação humanas, tomados estes dois termos em sentido etimológico; e, portanto, ela descreve e possibilita um processo que os seres do mundo de todas as épocas conheceram e que, inclusive, tomaram como sua verdade essencial: o objeto (e sujeito) de seu conhecimento, e a razão de ser das iniciações, dos símbolos e dos ritos.

Efetivamente, a presença de "outras" realidades, tanto no macrocosmo como no homem, sempre foi conhecida por todos os seres humanos e suas sociedades, que descrevem, porque as praticam, as possibilidades de conhecer, de ser, de encarnar outras modalidades do Ser Universal, que consideram, unanimemente, como o verdadeiro e imutável.

É sob esta luz que a palavra Alquimia adquire seu sentido original, indicado, além disso, na etimologia do vocábulo, que se refere à cor negra (os egípcios davam a seu país o nome do Kemi, ou terra negra), de onde a arabização el-Kimia indica por um lado o aspecto obscuro e subterrâneo das operações transmutativas e, por outro, seu fim último e eterno, que aponta para superar a primeira determinação, a do Fiat Lux, equiparável à geração pelo Verbo e, portanto, ao que está além dela: o Silêncio Primitivo, ou a Escuridão Original. Do mesmo modo, o acesso a outras possibilidades sempre presentes do Ser Universal (refletidas, decerto, no ser particular), que são a matéria verdadeiramente tratada pela Alquimia, e as que experimentam os sujeitos que se aproximam dela com o ânimo de se constituirem em Filósofos, ou seja, em agentes responsáveis pelo grande laboratório cósmico, onde a obra ainda se encontra inacabada e deve ser culminada com a intervenção do "homem verdadeiro", o que explica a importância da arte e justifica qualquer feito criativo.

Como toda disciplina, tem que ser aprendida e ensinada, e consta de uma doutrina e de um método para sua realização. A doutrina é permanente e se refere precisamente ao objeto de toda alquimia; por outra parte, a enunciação de uma Tradição Unânime, de uma Cosmogonia Perene, de uma Metafísica sempre viva, transmite-se e se articula nesta aprendizagem, embora com certas particularidades próprias em diferentes raças e continentes, o que também está ligado às diferenças de método que utilizaram os inumeráveis seres e comunidades na obtenção do mesmo fim, único e idêntico. Na realidade, no homem tradicional não há diferença entre teoria e prática e, muitas vezes, o enunciado da doutrina, assim que esta se compreende "no coração", constitui um verdadeiro programa prático, quando não um método em si.

De todas maneiras, esta arte e ciência da realização das potencialidades ou virtualidades do ser humano, que é a característica essencial da transformação, é comum a todas as tradições e ao pensamento do homem em geral. Isso explica a quantidade de "métodos" ou formas de obter estes conhecimentos que vão além da física e da psicologia (esta última, ainda em seu aspecto mais sutil) e que se estabelecem como graus (desse conhecimento), ou se denominam, em outros contextos, estados de consciência e, na Tradição Hindu, estão exemplificados com a abertura dos chakras, articulados, como já dissemos, ao longo da coluna vertebral, o que se produz ao despertar a kundalinî, serpente de Shiva, que em estado ordinário jaz adormecida, sem que se manifestem as energias espirituais que ela contém.

O homem utilizou todos os meios a seu alcance para obter o fim último, e de fato esses meios fazem tão só refletir esse fim –chamado pelo hinduísmo a Suprema Identidade– numa de suas indefinidas possibilidades que, por irradiação, a tudo abrangem. Se tudo estiver em tudo, a ciência e a arte da transmutação se acham presentes em cada ser, fenômeno, ou coisa, que por sua vez podem ser igualmente os suportes de uma ação tendente a desentranhar qual é sua realidade final, que segredos está expressando com seu ser, o que há detrás da aparência, em que medida existe aquilo que tomamos por real, etc. Desta forma, o método da ciência da transformação, ou metanóia, em estreito vínculo com as circunstâncias, sempre contingentes e relativas, onde se produz essa "efetivação", sinalizada por inumeráveis fatores externos, ou forças astrais, começando com a determinação do nascimento individual, está igualmente sempre presente.

Entretanto, deve-se destacar uma constante fundamental na arte alquímica, ou seja, no trato com anjos, céus e nomes divinos (também com dragões), que não é só a convergência em um mesmo fim; trata-se aqui da unanimidade de opinião e ensinos quanto a que esse fim está invertido com relação às possibilidades do homem em estado ordinário, que sempre procura a multiplicidade e a dispersão, enquanto que todo processo alquímico tende a uma síntese, a uma concentração de possibilidades do mesmo, já que na essência ou no "elixir", ou na "pedra filosofal", radicam tanto o mistério do Ser Universal, quanto suas virtualidades, fonte de seu poder, que poderá ser então desenvolvido em qualquer direção e em todo momento.

Trata-se pois de uma "conversão", de uma volta às origens, ou à fonte primitiva de onde tudo emanou, ou da viagem de volta para casa, semelhante a que se realiza da multiplicidade à unidade. Do ponto quase inexistente nasceu a Roda do Mundo e devemos retornar a sua imutabilidade, inclusive para encontrar sentido para que se move, para saber que um também é isso, a imobilidade do começo e, portanto, sua simultaneidade, e compreender assim a mobilidade do sucessivo, como aparência ou projeção perpétua da realidade central.

Do ponto de vista alquímico estamos invertidos com relação ao discurso criacionístico, que constantemente vai do menor ao maior (o que é evidente ao se pensar que uma gota de sêmen é a origem física de um ser humano ou animal, tal qual a semente o é de uma árvore), ou seja, do imanifestado ou virtual, ao manifestado, enquanto o alquímico se apóia no manifestado para remontar-se à imanifestação, provocando o ser humano em si mesmo uma "regeneração", uma nova vida, o nascimento de outro ser, pois compreendeu que não há alternativa possível entre a quantidade e a qualidade, e sabe por intuição direta que é no menor onde se oculta o segredo e onde se aloja a central de mais alto poder.

Nada disto indica, por outra parte, que pensemos sequer em desprezar à alquimia metálica, e menos ainda seu simbolismo, que por outra parte é universal e se refere fundamentalmente a um fim espiritual. Toda a alquimia do Ocidente, medieval e renascentista, dá testemunho disso por meio de milhares de obras, a maior parte ilustradas, cujo objeto é a transformação da alma humana, já que esta é o veículo, ou plano intermédio, onde se efetua a transmutação à qual nos referimos; e é sabido que na alquimia mineral essa operação está simbolizada pelo atanor, recipiente onde se "coze" a matéria da Grande Obra –e onde se separam as partes mais sutis das mais densas mediante sucessivas "coagulações" e "dissoluções"–, que constitui um exemplo vivo da transformação, tanto do microcosmo como do macrocosmo, da alma humana quanto da alma universal.

A alquimia metálica é parte da Tradição Hermética e são muitos os que beberam em seus mananciais, que com esse fim são oferecidos para acalmar a sede do peregrino; que também não é identificar toda a alquimia ocidental com a alquimia metálica, já que isto não é verdade, nem mesmo historicamente no sentido que viemos falando, quer dizer, no de explicar os alcances muitíssimo mais amplos dessa ciência, como arte transmutativa, ou de transformação. Na Europa, da antigüidade clássica, e também na civilização Egípcia se encontram testemunhados métodos e textos que se referem a estas artes, em perfeito acordo com todos os povos antigos do mundo, e sobretudo com as tradições atualmente vivas, ou seja, com todos aqueles que praticam hoje em dia essas disciplinas através de distintas vias de realização 35. No Ocidente, existiram –e existem– outras formas da realização alquímica (que alguns chamam hermético-alquímica) e inclusive muitos dos textos "clássicos" alquímicos se referem, vez por outra, de forma secundária, a operações de tipo material 36.

Desta forma, de maneira nenhuma subestimamos as operações metálicas ou minerais e acreditamos que através de sua observação e na participação de seu processo generativo –que é análogo a qualquer criação, começando pela do cosmo– pode se ascender a tal ponto que a alma do "operário" não é mais que uma só e mesma coisa com o operado 37. Mas sabemos também que não é exclusivo do processo mineral o poder servir como base de uma transformação da alma (embora, seja dito de passagem, parece-nos talvez o mais curioso que saibamos); com efeito, são conhecidas pelos hermetistas outras artes transmutativas, tanto relacionadas com a Espagiria (Paracelso), como com a Magia Natural (C. Agrippa), a oração, ou invocação (M. Ficino), a arte da memória (Giordano Bruno) e sistemas completos de jogos de relações, analogias, símbolos, mitos e ritos (muitos deles compartilhados com os alquimistas minerais), ciclologia, sem mencionar a cabala cristã, as exegeses, hermenêuticas, filosofias, escritos, etc., que tratando-se de pura Alquimia, ou Ciência Sagrada, não se expressaram que modo metálico, ou com nomenclatura astrológica.

Por outra parte se conhecem diversos tipos de alquimia de acordo com o reino que toma como suporte para seu trabalho: mineral, vegetal, animal. Também a ingestão de substâncias provenientes desses reinos forma parte do método de muitos processos alquímicos, e uma mesma tradição pode usá-los indistintamente, ou em diferentes momentos de seu desenvolvimento. É sabido que os imperadores da China ingeriam quantidades de jade (que é venenoso) e ainda hoje determinados remédios utilizam muitos elementos minerais e sais em suas receitas. Quanto à alquimia vegetal, é conhecida por todos os povos arcaicos e numerosíssimas plantas são sagradas entre eles por serem consideradas mágicas, despertadoras da consciência, ou emissárias celestes, ao mesmo tempo que a própria transformação dos vegetais atesta os processos generativos 38.

Os cogumelos "alucinógenos", a amanita muscaris, o peyote e o São Pedro e outras cactáceas, a ayahuasca, a cannabis indica e um sem-número de plantas e sucos sagrados –incluído o tabaco e o álcool–, quanto a sua ação, entram neste mesmo campo, embora a micogonía poderia talvez ser considerada mais como do reino animal, ao qual pertencem também certos vermes e outros insetos que se comem e formam parte de determinadas cerimônias, assim como o sangue de animais, a cabeça do sapo, etc.

Talvez uma das formas mais freqüentes, ou conhecidas da Alquimia no mundo é a ligada à respiração, ou melhor, a que toma à respiração como ponto de partida, ou preparatório, como se queira, do processo de Conhecimento. Nesse sentido, todos os sistemas respiratórios, do Hatha Ioga até a reiteração de mantras no hinduísmo, que tem sua equivalência ocidental em jaculatórias, rosários, e outras práticas, assim como todo ritual onde intervêm o canto, a salmodia e o baile, devem ser postos em íntima conexão com esses mesmos processos respiratórios, onde se alternam a inspiração com a expiração, ou em termos alquímicos, a coagulação com a dissolução.

De fato, quando se inspira, recebe-se o hálito vital que é "coagulado" para perpetuar a vida. Pelo contrário, quando uma pessoa morre diz que expirou e para sua medida não há maior "dissolução" que abandonar o estado humano. Toda a obra alquímica se efetua mediante esta dialética e não é difícil ter em mente que qualquer "coagulação" pode se relacionar com o frio, e a "dissolução" com o calor (a metálica, por exemplo). Na verdade, todas as operações alquímicas se realizam mediante o fogo que, como é sabido, quando é muito forte abrasa e quando é muito débil, não transforma; motivo pelo qual se recomenda unanimemente aos operários –ou adeptos– que saibam manter controlada a chama de seu atanor, ou de sua energia ígnea (tal qual uma paixão contida), pois a uma euforia sobrevém uma depressão, embora jamais poderá se evitar a dialética de um fenômeno universal que se expressa mediante uma etapa restritiva seguida de outra expansiva, razão pela qual o xamã nas culturas arcaicas, vivo ainda hoje nas culturas pré-colombianas, entre outras, deve conhecer as duas e equilibrar-se em seu ritmo, mantendo o calor interno –prática corrente no hinduísmo e budismo–, o que lhe permitirá conjugar harmoniosamente os deuses celestes e os do inframundo.

E da mesma forma com que todo nascimento se transforma em morte e esta é continuada por um renascimento –qualquer que seja o ponto de vista que se adote posto que a criação é perene–, assim estes estados acontecem no ser, sujeito ao espaço, ao tempo, e à memória. Desta forma, o xamã, ao qual acabamos de nos referir, vive em seu processo alquímico indefinidos falecimentos e ressurreições. E poderia se anotar, inclusive, que essa é efetivamente sua profissão. Entretanto, também devemos observar que de modo acorde em Alquimia se destacam diversas etapas significativas no processo geral, que se realiza escalonadamente na projeção temporal, que estão vinculadas com os ciclos que, embora universalmente se sucedem sem solução de continuidade, têm um sentido claro no subciclo de uma existência particular, onde a dimensão de uma vida humana reconhece os tênues e sutis sinais de uma transformação que, por leve e esfumada que pareça, faz-se transparente de repente e se arraiga profundamente no coração do atanor, ou o que é o mesmo, da alma humana, permitindo-lhe assim ao operário seguir desenvolvendo-se para enfrentar novos trabalhos de sua ciência evolutiva, graças à intuição intelectual, direta, que não admite dúvidas nem demonstrações, pois defronte à certeza resultam completamente desnecessárias.

Pode-se compreender, então, que este processo do adepto –ou do xamã, que recebeu sucessivas iniciações, ou tenha compreendido distintos estados do Ser Universal– que vai obtendo para si paulatinamente as cores da Obra, é uma verdadeira imersão no tempo, já que percebe a simultaneidade de todo o possível (que se dá mercê à projeção temporal, ou seja, gradualmente), e reconhece estados não humanos de uma perspectiva distinta, onde vê girar a roda da fortuna e dos fenômenos sem apego, tal qual o alquimista metálico observa de uma maneira imparcial as substâncias que combustam –coagulam e se dissolvem– em seu atanor. Em tudo isto tem também um papel decisivo a memória, matéria com a qual está tecido o tempo e, portanto, o homem, já que este é tanto o que conhece como o que recorda, e em todo caso se for algo em si, é por sua memória: imprecisa e frágil substância que troca com os momentos e os dias e constantemente se atualiza 39.

Há pessoas que conhecem montes de manuscritos e edições alquímicas muito raras e aprenderam perfeitamente a nomenclatura dos diversos autores –que, como se sabe, às vezes são diametralmente opostas, devido a distintos pontos de vista–, as quais, sentindo-se envaidecidas em terem um laboratório num quarto de sua casa, que rodeiam do maior segredo, ignoram entretanto completamente o fim de sua arte e o objeto de sua ciência, a qual confundem com a "erudição", com sua excentricidade psicológica e com o gosto de certa atmosfera paranormal. Esta atividade é própria dos chamados "sopradores", a maior parte deles fabricantes de falsa moeda, que, desgraçadamente, pululam no ambiente esotérico, embora melhor seria que fossem listados nas fileiras oficiais.

Neste rápido olhar sobre diversos "métodos" alquímicos, ou de transmutação, não queremos deixar de nomear o da cabala hebraica e dos calendários mesoamericanos, ambos possuidores de um caudal iniciático –e portanto poético– inigualável. A primeira através de uma metafísica da linguagem, especialmente do alfabeto, e das correspondências entre letras e números, que foi chamada e se constitui a "ciência dos nomes".

Os outros, porque sendo sistemas totalizadores que abrangem o movimento e o espaço de todo o criado, definem por si mesmos imagens e organizam espécies, gêneros, concepções, apoiando-se nas analogias e correspondências de todo tipo que ligam ao Universo, onde o número tem um papel preponderante, e constituem a Ciclologia. Queremos esclarecer aqui que, em qualquer via que se escolha, deve-se tender sempre ao nível mais alto, ligado ao metafísico; tal o Jnâna Ioga da Tradição Hindu.

As práticas sexuais como formas da realização espiritual foram sempre métodos de aprendizagem. Como já dissemos, em geral são mais conhecidas as possibilidades do Tantra Ioga e da alquimia chinesa, embora todos os povos de uma ou outra maneira as tenham utilizado, seja nestes ou noutros modos extremamente variáveis que podem se revestir de formas aparentemente estranhas para uma mente atual, tal a castidade, o que poderia parecer paradoxal a alguns 40. A energia sexual se sublima no Ocidente até se unir ao emotivo e se chama amor, uma evocação do Amor, que a tudo une. É lógico pensar, pelos motivos acima mencionados, que esse tipo de sentimento hoje em dia se encontre intimamente ligado com uma versão elementar do imediato e da posse, ou seja, o inverso do que na verdade essa energia é, pois na realidade se trata de uma generosa mensagem devido à presença de outras realidades dentro de nós mesmos. Nunca, como no caso que comentamos, está mais clara a negação das possibilidades humanas, como nesta adulteração.

Nos mitos genésicos gnósticos, quer dizer, nos relacionados com o nascimento de um ser (devido a uma conjunção de opostos, homem-mulher) é o próprio ser em definitivo que se auto-pare.

Isso acontece pois a vida interior está invertida com relação ao mundo exterior, exatamente igual à vida sagrada e a profana.

Necessita-se do fogo, chamado em Alquimia enxofre, para que o mercúrio seja fecundado, dando lugar à criança alquímica. Mas, sem a presença do mercúrio, a quem o enxofre fecundaria?

O anjo Gabriel anuncia a Maria o prodígio, e ela responde:

Faça-se em mim segundo tua palavra.

Sem esta aceitação tampouco o rito se produziria.

Em outras tradições, Afrodite-Vênus, o amor, a energia capaz de unificar tudo, nasce do sêmen produzido pelo desmembramento de Urano (o Céu) e é chamada a "mulher nascida das ondas". De todas maneiras, estes nascimentos são "antinaturais", da mesma forma que a fecundação é "anormal" com relação às simples gênese ordinárias. São o fogo e o céu que definitivamente fecundam, e isto, que é absolutamente interno, constitui um fato sempre assombroso, porém mais real que qualquer coisa conhecida –embora pressentida– até o momento. Isso não é casual, e em termos de todas as tradições é necessário uma longa peregrinação e grandes trabalhos para obtê-la, tal o caso nítido de Herakles-Hércules.

No Livro da Revelação, a oposição entre o anjo e o dragão é clara; para nós o primeiro se relaciona com o ar e expele o doce sopro por sua boca, o segundo se identifica com o fogo e lança chamas furiosas. Poder-se-ia entender que ambos os símbolos configuram um só em duas modalidades, em se atendendo ao pensamento arcaico. Por outra parte, deve-se destacar que, por sua vez, cada um deles admite uma dualidade em seu interior: o anjo da morte é um furacão colérico, o dragão alado um animal quase doméstico. Porém, o anjo bebe água, o dragão, vinho.


NOTAS
35 Apenas se tenha em mente os numerosos hinduístas e budistas dedicados ao Tantra na atualidade.
36 Em alguns casos, os livros alquímicos parecem ser livros recordatórios de um Ensino ou realidade tida por suposta, ou conhecida, e que os escritos testemunham, como é o caso dos hieroglifos egípcios, ou os códices mesoamericanos. Em outros, a idéia de um ensino prático e individual é mais notória, embora se encontre obscurecida em sua expressão. A maior parte deles perpetuam essa estranha, e quantitativamente importante, forma de realização, que constitui uma ciência da qual, nestes textos, figuram-se fragmentos, ou demonstrações, quando não roteiros para aqueles que estão se interiorizando na Via Simbólica. É de se destacar a importância dos símbolos gráficos que acompanham textos e "experimentos" na realização interior.
37
38 Assinalaremos a relação direta que se pode obter com o mundo vegetal, e a conseguinte alteração do percebido, comparado com a cotidianidade ordinária e vinculado a estados distintos da consciência, pelo insumo paciente de plantas cruas, infusões e inalações.
39 "Por esta razão, é justo que o pensamento do filósofo tenha só asas, pensamento que se liga sempre quanto possível pela lembrança das essências, às quais o próprio Deus deve sua divindade. O homem que sabe se servir destas reminiscências está iniciado constantemente nos mistérios da infinita perfeição e somente faz perfeito a ele mesmo, verdadeiramente. Desprendido dos cuidados que agitam os homens e se curando só das coisas divinas, o vulgo pretende lhe sanar em sua loucura e não vê que é um homem inspirado." Platão. Fedro 249.
40 Igualmente o inverso, recordando a frase de William Blake: "Pelo caminho do excesso também se chega ao palácio da sabedoria".