Hermes Mercúrio Trismegisto Mosaico da catedral de Siena, 1488 |
Federico González |
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Do Renascimento ao Século XVIII De fato, a linha divisória entre ambas as épocas é às vezes muito incerta pois tanto na Idade Média começaram a se desenvolver idéias que eclodem no Renascimento, como neste último período se recebe diretamente seu caudal, que por sua vez se confunde com o da Antigüidade greco-romana, pois as duas têm um denominador comum (sem esquecer o "toque" oriental dos livros herméticos e iranianos pelos quais ambas se interessariam vivamente) e eram a garantia de uma proverbial sabedoria. M. Gandillac43 aponta, referindo-se a este tema: "Inclusive em seus modos de expressão, o pensamento dos séculos XV e XVI é, em conjunto, muito mais um herdeiro que um inovador", ao passo que se pergunta: "não é acaso o infinito o conceito mais central de todo o pensamento renascentista?" depois de dar por subentendido que esse era também o pensamento da Idade Média, que se vê duplicar "desde Nicolau de Cusa a Giordano Bruno". Talvez seja um bom exemplo desta continuidade cultural entre o Renascimento e a Idade Média o edifício-símbolo da Catedral de Siena, começada a construir em estilo gótico e terminada em pleno Renascimento, em cujo interior se conjugam as figuras de Cristo, da Virgem, dos profetas e Santos, com as Sibilas, as três Graças, Sócrates e Crátilo, fixados em seu pavimento, junto a de Hermes Trismegisto (extraordinária obra do Giovanni di Stefano terminada em 1488), acompanhado de Moisés (autor do Pentateuco), que mostra a este um texto do Asclépio, localizado em primeiro plano. Por sua vez, o Renascimento italiano se prolongou no francês e floresceu ainda mais tardiamente na Inglaterra Elisabetana, que também se transforma num centro de difusão do pensamento hermético, como veremos mais adiante, tema que com tanto proveito estudou Frances Yates (A Arte da Memória, Giordano Bruno e a Tradição Hermética, O Iluminismo Rosacruz, A Filosofia Oculta na época Elisabetana, As últimas obras de Shakespeare: uma nova interpretação). Nicolau de Cusa é, talvez, no plano das idéias –e não só nele– quem com maior justiça deveria encabeçar a lista dos pensadores cuja infatigável atividade tornaria possível o Renascimento. De fato, a figura do cardeal de Cusa é de vital importância para a difusão das doutrinas herméticas neste período e seu valor se sintetiza em vários aspectos. Em primeiro lugar, seu trabalho como teósofo e as obras com as quais deu conta de seu sagrado ofício; a seguir pela difusão que tiveram suas idéias, constituindo-se para seu meio em fonte de inspiração e testemunho vivo da Philosophia Perennis. A isto devem ser adicionados seus conceitos práticos sobre a reforma do calendário e, sobretudo, sua proposição aos padres do concílio da Basiléia da Concórdia Católica, programa que inclui a união com a igreja do Bizâncio, idéia que encontrará apoio no Papa Eugênio IV. Para tal efeito, viaja na comitiva papal a Constantinopla e ali conhece Gemisto Pleton44, filósofo bizantino, ao qual convidará para viajar à Itália, junto com o "basileus" e o patriarca grego, de onde provém o contato deste com a Academia Florentina. Junto com o cardeal grego João Bessarion45 e outros filósofos, fomentou as ciências e as artes ligadas ao conhecimento, participando ambos delas e as fazendo respeitar dentro do âmbito da hierarquia eclesiástica, já que chegou a ser em 1458 administrador dos estados pontifícios durante o papado de seu amigo Pio II. Em sua obra maior e mais conhecida, A douta ignorância, nomeiam-se nos capítulos XXIV e XXV, os escritos herméticos, aos quais cita: "Por isso diz retamente Hermes Trismegisto que, posto que Deus é a universalidade das coisas, não há nenhum nome que seja apropriado para ele, já que seria necessário ou que Deus fora designado com todos os nomes, ou que todas as coisas se designassem com seu nome, para complicar ele mesmo em sua simplicidade a universalidade de todas elas." Através de seus escritos pode detectar-se também a influência de Eckhardt e a de Dionisio Areopagita, assim como sua vinculação com autores romanos e gregos dos primeiros séculos de nossa era e com os primeiros Pais da Igreja, além dos textos antigos e modernos vinculados com a Teologia católica e com a Filosofia, todos relacionados em maior ou menor grau –muitas vezes separados apenas por terminologias, ou por distinções secundárias– com as idéias do pensamento hermético. (Para ampliar informação ver em SYMBOLOS Nº 11-12: "La Tradición viva: Nicolás de Cusa"). Marsílio Ficino (1433-1498) é com toda justeza considerado historicamente como o motor do Renascimento. De fato, como Platonicorum maximus da Academia dos Médicis, que ele mesmo tinha contribuído para formar, teve uma importância extraordinária não só em Florença ou na Itália, mas também no resto da Europa durante os trinta anos de atividade da Academia sob sua direção. Traduziu e publicou não só as obras de Hermes, mas também os Hinos Órficos 46, os Diálogos de Platão, Proclo, Porfírio, Jâmblico, Da Monarquia de Dante, e o Comentário de Prisciano ao De anima de Teofrasto, concluindo Ficino no acordo de Aristóteles com Platão. Sua imensa atividade se vê refletida pelos contínuos contatos com os homens mais importantes de seu tempo, com os quais se comunicava constantemente, fosse por algum problema prático ou de doutrina.47 Não se deu a sua obra (Instituições Platônicas, Vida de Platão, Sobre o furor divino, e outros escritos sobre poesia e música, Teologia Platônica, Sobre a tríplice vida, Contra os julgamentos dos astrólogos, Concordância entre Moisés e Platão, Sobre a religião cristã, Confirmação do cristianismo pelo socratismo, Sobre o sol, Sobre a luz, seus comentários ou exegese do Banquete -De Amore-, Filebo, o Político, e o das Cartas de São Paulo inacabado por sua morte) a valoração devida pela imensa importância pessoal que teve à frente da Academia e em sua vida pública, assim como por seu trabalho de difusão do pensamento platônico, neoplatônico, hermético e mágico.48 Apesar disso, era cristão confesso e homem de uma grande bondade e piedade; astrólogo, médico, músico e executante dos hinos órficos e precursor das ciências naturais, ao mesmo tempo que das artes liberais; não tinha nenhum preconceito em praticar seu cristianismo conjuntamente com seus ritos de magia branca e natural, ligados à beleza e sempre ao sagrado, mas pelo contrário, compreendia a vida como um imenso rito teúrgico, onde as virtudes dos gestos e das idéias fossem correspondentes com a harmonia universal. Foi o primeiro que traduziu, como dissemos, o Poimandres ao latim, embora acreditasse que Hermes Trismegisto era um deus de uma antigüidade fabulosa; eis aqui sua genealogia: "Quando do nascimento de Moisés, florescia o astrônomo Atlas, irmão do físico Ptolomeu, avô materno do antigo Mercúrio, de quem foi neto Mercúrio Trismegisto, o maior dos sacerdotes e dos reis conjuntamente, a quem se chamou o fundador da teologia." Mas Ficino não estava sozinho, contava com o ativo amparo de Cosme de Médici, simultaneamente um príncipe e um filósofo, e com a estância prévia de G. Pleton e do cardeal Bessarion (1402-1472), também com a fugaz aparição iluminadora de Pico de la Mirandola em comparação com a dilatada vida do Platonicorum maximus, e outros muitos sábios que trabalhavam nesse momento de modo harmônico. Entre eles, outro personagem a se destacar é Egidio de Viterbo (1465-1532: In librum commentationes ad mente Platonis; Shekinah) que chegou a ser general da ordem agostiniana e que junto com Pico de la Mirandola incorporará a cabala hebraica ao pensamento hermético por suas óbvias correspondências. Entretanto, como no caso dos livros de Hermes, devemos voltar no tempo para explicar este rebrotar cabalístico no Renascimento, impulsionado fundamentalmente por um cristão, o conde da Concórdia, Giovanni Pico de la Mirandola (1463-1494: Da dignidade do homem, Do Ser e do Um, Heptaplus, Conclusões (mágico-cabalísticas, teológicas, filosóficas, etc.) que já aos vinte anos era reconhecido pelo próprio Ficino como um verdadeiro restaurador da ciência sagrada e erudito de primeira ordem. De fato, costuma-se mencionar Elía de Mendigo e outros judeus como os iniciadores ou mestres de Pico na arte cabalística. É muito provável que assim fosse, mas em todo caso devemos indicar uma corrente de pensamento judaico-tradicional durante toda a Idade Média, que vai se aglutinar finalmente no que se denominou cabala cristã. O historiador deste período, François Secret, refere-se a este fato na Kabbala Cristã do Renascimento49: "É também coisa sabida o posto que teve, dentro desta literatura, a kabbala no século XII, no qual este termo, que por muito tempo tinha designado a tradição em geral, veio significar, de uma maneira mais especial, a tradição esotérica. Recordemos como numa primeira fase, a mais longa, do século I ao X, desenvolveram-se especulações sobre o problema da criação, chamado, segundo o primeiro capítulo da Gênese, Ma'aseh Berêsîth, e sobre o dos intermediários possíveis entre a transcendência de Deus e o mundo, chamado, segundo o primeiro capítulo do Ezequiel, Ma'ase Merkhaba (o carro). Os tratados mais célebres foram os dos Hekhalot ou palácios celestes, o Sefer Yetsirah, o livro da criação, o Raziel, que é nome do anjo que revelou a Adão os segredos perdidos depois da queda, os Pirke de Rabbi Eliezer. Estas especulações que se propagaram pela Alemanha, pelo sul da França e da Espanha, com características muito particularizadas -Hassidismo em torno do grande nome de Eleazar de Worms, kabbala profética com Abraão Abulafia (1240-1292), que foi a Roma para discutir com o Papa em nome dos judeus- prepararam a publicação do Zohar, em aramaico, sob o nome do prestigioso Rabbi Simeão bar Yohai, discípulo de Akiba Ben Joseph. Os monumentos mais célebres desta corrente de idéias são o Bahir, livro do esplendor; o Ginnet Egoz, jardim da nogueira, que teve seu título proveniente do Cântico dos Cânticos; seja-os'are Ora, as portas da luz, do Joseph Gikatilia; os comentários sobre a Bíblia de Bahya Ben Ascher, chamado Bechai no Renascimento; os de Moisés Ben Nahman ou Nachmanida, e os de Menachem de Recanati (1290-1350)." Estes antecedentes da Cabala medieval européia se mantinham, entretanto, como ocultos por dois motivos: o primeiro pela mesma natureza mais ou menos misteriosa de todo esoterismo. O outro pelas perseguições que sofreram os judeus nos meios cristãos, que os obrigava a serem prudentes, quando não precavidos. Por isso é que cabe a Pico de la Mirandola, (personagem semi-fabuloso, cujo nascimento foi anunciado por alguns prodígios)a honra de ter desvelado em grande parte os "mistérios cabalísticos", dos quais bem pouco se sabia até então nos meios culturais da época. Ele mesmo assim o proclama em sua Apologia: "Creio ser o primeiro a ter mencionado de forma explícita a cabala", embora explicite constantemente a origem hebraica desta ciência que Moisés recebeu no pináculo do monte, junto com as tábuas da lei, quer dizer, dois tipos de ensinos, os esotéricos e os exotéricos, que se transmitiram após e que Pico, por sua vez, difunde em seu meio. E esta influência do esoterismo é tão grande, e a metafísica da cabala é tão decisiva -pois a cabala constitui para ele o melhor exemplo da Tradição Universal, da Ciência Sagrada- que sem ela e sem a magia (leia-se teurgia) não é possível compreender ou conhecer o aparato exotérico do religioso: "assim como a verdadeira Astrologia nos ensina a ler no livro de Deus, assim a Cabala nos ensina a ler no livro da lei." Transcrevemos igualmente aqui suas "Conclusões segundo a primitiva doutrina do egípcio Hermes Trismegisto", de suas Conclusões mágico cabalísticas, que são por sua vez uma amostra de sua linguagem críptica:
Bem nos adverte Pico de la Mirandola que nem todos os denários são exatamente correspondentes embora quase sempre, adicionamos nós, costumam ter relação entre eles, mas mais neste caso, que o denário não é tal, mas sim um duodenário, como se vê num simples olhar e como pode se corroborar em seu texto latino que aqui se traduziu. Entretanto, a cosmogonia e a teogonia da cabala, que possui afinidades claras com as correspondentes do Corpus Hermeticum, pode ser sintetizada para esclarecer sua inclusão, em honra ao leitor, com e no pensamento platônico e neoplatônico, neopitagórico, hermético e finalmente cristão, por mediação do diagrama sephirótico, ou das Numerações, chamado também Árvore da Vida, através do qual ascendem e descendem os seres desde sua origem incriada à manifestação. Este esquema Cosmogônico e Teogônico inclui o desenvolvimento do denário pitagórico e sua reintegração na Unidade (10 = 1 + 0 = 1) e as diferentes hipóstases e espíritos arcangélicos e angélicos, num processo em que das emanações mais puras se chega a uma cristalização e a um opacamento, que materializa finalmente no plano de Olam ha' Asiyah a matéria e a terra tal qual as percebem os sentidos do homem. Do mais sutil ao mais denso, e por sua vez, mediante a transmutação alquímica, sua reintegração na sua Origem divina, supracósmica e, portanto, supra-humana. Esta evolução ou involução, segundo o ponto de vista que se adote, está simbolizada também pela série dos elementos, cujo motor é o Éter invisível, quintessência da criação da qual Fogo-Ar-Água-Terra, são condensações sucessivas, ou inversamente Terra-Água-Ar-Fogo, sublimações progressivas. Os nomes em hebraico destas dez numerações (ou esferas) divinas e sua tradução [em português] são os seguintes, da Unidade Primordial à década: Kether (Coroa), Hokhmah (Sabedoria), Binah (Inteligência), Hesed (Graça), Gueburah (Rigor), Tiphereth (Beleza), Netsah (Vitória), Hod (Glória), Yesod (Fundamento), Malkhuth (Reino). Por sua vez a Árvore da Vida cabalística admite quatro divisões, perceptíveis no percurso cada vez mais densificado da Emanação Universal, já que o diagrama sephirótico é um modelo do Cosmo, sempre presente, vivo e permanentemente atual. Essas divisões, planos, ou mundos são: (sempre de cima para baixo) Emanações, Criação, Formação, Concreção ou Ato. O primeiro mundo (Atsiluth), abrange as três primeiras numerações e corresponde ao plano dos Princípios Universais composto de uma tríade, que posteriormente se reproduzirá nos distintos níveis do processo criativo. Certamente este plano não só é invisível mas também é incriado, embora suas emanações configurem constantemente a criação. Acima dele e da unidade que ele representa se observa o Não Ser, Ain Soph, a verdade suprema só enunciável racionalmente por conceitos negativos. Poderíamos associar o Espírito com este mundo imanifestado. O segundo mundo (Beriyah) está composto de uma tríade correspondente às numerações 4-5-6 (Hesed, Gueburah, Tiphereth) e constitui a parte mais alta da alma (psiqué), a supraformal, que se encontra por sobre a superfície das águas. Conjuntamente com o plano que está embaixo, Yetsirah ou mundo das formações (sutis e informais), composto pelas sephiroth 7-8-9, Netsah, Hod, Yesod, constituem o plano intermediário, ou da alma, cujo centro é o sol ao redor do qual se ajustam e se distinguem outros planetas que, conjuntamente com ele, formam a estrutura cósmica (aos quais o Corpus chama de "regentes"), e que a cabala designa como as sephiroth de "construção", ao se referir precisamente à construção cósmica. Entre essas seis numerações e as três primeiras existe um profundo Abismo, sinalizado pela passagem do número três ao quatro, quer dizer, aquilo que constitui o mistério da Criação, já que o número quatro assinala toda manifestação pois se reduz à unidade (4 = 1 + 2 + 3 + 4 = 10 = 1 + 0 = 1), fato que volta a se repetir no sete (7 = 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 = 28 = 2 + 8 = 10 = 1 + 0 = 1) que marca o outro componente do plano intermediário, a alma inferior, que se encontra abaixo da superfície das águas, manifestação sutil e informal que alguns denominam plano astral, ou psiquismo inferior, e tem a lua como seu centro. Por último fica um plano, o de Asiyah ou mundo da terra, matéria das concreções, e solidificações, que dão lugar à "realidade" que os sentidos percebem e que se associa com o corpo e a manifestação grosseira. Como se indicou, a Árvore da Vida é um modelo do Universo e como tal, como macrocosmo, tem sua exata réplica no homem ou microcosmo. De fato, todos estes mundos coexistem no homem e o conjunto deles, a Árvore da Vida, é chamado Homem Universal, ou Adam Kadmon na Cabala. A primeira tríade do modelo se reflete (quer dizer, reproduz-se de modo invertido) no caos, criando o cosmo, ou plano intermediário, ou do símbolo propriamente dito, em dois níveis: superior e inferior e desembocando tudo isso na solidificação material, no plano final, Olam ha' Asiyah, cuja única numeração, Malkhuth, ou reino, está assinalada pelo número dez, no qual também a unidade se encontra presente de maneira imanente (10 = 1 + 0 = 1) e marca deste modo a possibilidade de um retorno às origens, mediante o remontar através da estrutura cósmica, quer dizer, do plano intermediário (a Alma, que os planetas simbolizam), para estados cada vez mais amplos e transparentes da Existência Universal. Este último mundo no qual transcorre a maior parte da existência humana (a hylé, o soma), é visível, corpóreo, manifestado, formal. O mundo das Formações, Olam ha' Yetsirah, é imaterial, manifestado e sutil-informal e se corresponde a psique inferior. O mundo de Beriyah representa a parte mais elevada da alma, a mais próxima aos Princípios, a psique superior, invisível, imaterial, manifestada e não-formal (diferente da anterior, tem formas informe, caso valha a expressão). No mundo mais elevado, correspondente aos Primeiros Princípios, acham-se contidas todas as formas da Possibilidade Universal. É o Noûs e se pode equiparar ao Pneuma grego. Desta primeira tríade procede o resto, como do número três procedem todos os números, e do triângulo todas as formas. Ou seja, que ela, que é deste modo a Unidade, reflete-se nos diferentes mundos da criação ao gerá-la e manifestar-se a distintos graus ou níveis, os quais certamente adquirem diferentes características, assinaladas pelos distintos nomes divinos, ou hipóstases, pelas quais vai se expressando a Emanação Primitiva, e que vão marcando desiguais estados de existência. Como já dissemos, a tríade Hermética Deus, Demiurgo (ou Cosmo), e Homem corresponde na totalidade do diagrama cabalístico aos planos do Atsiluth, Beriyah e Yetsirah conjuntamente e, finalmente, ao de Asiyah: Noûs-Deus, Noûs-Demiurgo, e Homem; (espírito, alma, corpo no microcosmo) respectivamente. Como acabamos de notar, a primeira triunidade leva de modo implícito todo o desenvolvimento do diagrama das numerações, pelo qual também é por sua vez um modelo em escala de todo o diagrama; nesse caso, a divisão vertical em planos é uma expressão dos Princípios contidos na primeira tríade cabalística: 1) Kether = Coroa; 2) Hokhmah=Sabedoria; e 3) Binah=Inteligência; a qual teria que se corresponder com: 1) Noûs-Deus; 2) Noûs-Demiurgo (ou Cosmos); 3) Homem51. À primeira vista, estas correspondências parecem um pouco forçadas e pertencem ao tema da tríade em geral e em particular ao das tríades platônicas, neoplatônicas e gnósticas, etc., que é enormemente variado –e não podemos tratar agora– por problemas de terminologia e porque os distintos autores, grupos ou escolas, variam completamente de uns para os outros, embora esteja claro que todos se referem à mesma coisa vista de diferentes perspectivas ou com diferentes linguagens; todos eles, por outra parte, falam-nos de uma Triunidade Primitiva52. Devemos adicionar que a divisão entre estes mundos cabalísticos não poderia ser abrupta, embora corresponda a uma realidade que se tenta descrever posto que estes planos e níveis se interpenetram; logicamente, o diagrama intelectual e mecânico só é um símbolo do organismo vivo. |
NOTAS | |
42 | Ver M. Eliade: Histoire des idées et croyances religieuses, T 2, onde cita Festugière. Também o artigo de P.-G. Sansonetti: "Les Hermès du Graal". Villard de Honnecourt n 21, Neuilly-sur-Seine, França 1990. |
43 | Historia de la Filosofía. Vol. 5: "La Filosofía en el Renacimiento". Siglo XXI. México 1982. |
44 | (1360?-1452): Sobre as diferenças entre Aristóteles e Platão, Memória, Sobre as virtudes, Sobre o destino, Hinos, etc. |
45 | In calumniatorem Platonis, Vestigia Trinitatis, etc. |
46 | Há tradução castelhana de M. Periago: Ed. Gredos, Madrid 1987. |
47 | The Letters of Marsílio Ficino, 5 vols. Shepheard-Walwyn, Londres 1975 a 1994. |
48 | Ver D.-P. Walker: Spiritual and demonic magic from Ficino to Campanella. Warburg Institute, Londres 1958. |
49 | François Secret - La kabbala cristiana del Renacimiento - Ed. Taurus. Madrid 1979. |
50 | A ignorância, a tristeza, a incontinência, a concupiscência, a injustiça, a cobiça, o engano, a inveja, a fraude, a cólera, a precipitação, a maldade. (Poimandrés, XIII 7). |
51 | Ver nota 31. |
52 | Por exemplo, no livro da Sabedoria (7, 22-29), esta parece ser idêntica ao Noûs, ou Intelecto divino. A Sabedoria (Hokhmah em hebreu) poderia ser equiparada ao Noûs Demiurgo ("contigo está a Sabedoria que conhece suas obras, que estava presente quando fazia o mundo"), a ponto que também se diz que "quem senão a Sabedoria é o artífice de quanto existe?" (8, 6), ou seja a Sabedoria arquetípica, com a qual o Demiurgo criou o Mundo. A Sophia divina como geradora, como companheira do Noûs Demiurgo, sua contrapartida feminina, a Deusa Sophia, com a qual vai configurar o Cosmo. Tudo o que se refere ao incriado, à geração das idéias arquetípicas; também é a Alma do Mundo; é "mãe, sustentadora e nodriza do Mundo" (Fílon de Alexandria). "Com razão chamaremos Pai do criado ao demiurgo que criou nosso universo, e Mãe à Sabedoria do progenitor pois Deus coabitou com ela e produziu a criação" (íd. De ebrietate, 30-32. Outras obras de Fílon de Alexandria: De aeternitate mundi, Quod deus sit immutabilis, De opificio mundi, De vita comtemplativa, etc. em Ed. du Cerf, Paris). Também Provérbios 8, 30: "eu [a Sabedoria] estava ali, como arquiteto". |
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